A magia do futebol (Coréia do Sul 2x1 Togo)
Poucas partidas na história do futebol foram tão emblemáticas no sentido de mostrar do que o futebol é capaz quanto esta disputada em Frankfurt, abrindo o quinto dia de disputa da XVIII Campeonato Mundial de Futebol.
Ambos os conseguiram fazer com que o primeiro tempo de uma partida de estréia de ambos em uma Copa do Mundo (no caso de Togo, pela primeira vez na história) tivesse nada menos do que trinta minutos sem um chute a gol decente sequer. Os togoleses usavam a força bruta como último e único recurso, tal como os coreanos usavam a correria. Na falta do que mostrar, a televisão usava e abusava de imagens dos técnicos gesticulando no banco, para fazer o tempo passar.
Até que aos 31 minutos, Mohamed Kader não consegue dominar a bola com o joelho. Ela (a bola) tenta fugir para não sofrer novos maus-tratos, vai até a área acreditando que algum super-herói coreano tente salvá-la. Mas não tem jeito, o negão soltou a bomba para fazer um a zero, fazendo vibrar a imensa torcida de cinco milhões e meio de togoleses ao redor do mundo. Com um PIB de mil e quinhentos dólares por habitante, Togo saiu na frente contra a Coréia do Sul e seu PIB por habitante 13 vezes maior. Em que outro lugar se não numa partida de futebol algo semelhante poderia acontecer.
Quando Togo venceu pela primeira vez uma partida pela Copa Africana de Nações, em 1998 contra Gana, o mesmo Kader havia marcado o gol da vitória.
No intervalo, Kader tirou sua chuteira direita, andou por alguns metros exibindo-a para as câmeras e calçou-as de volta. Depois do segundo tempo, ela poderia se tornar o mais valioso objeto de seu país de nascimento. Já seu colega Yao Senaya Jr. preferiu beijar o gramado.
No comando técnico de Togo, o alemão Otto Pfister, que 1972 resolveu ir para a África. Treinou Ruanda, Alto Volta (atual Burkina Faso), Senegal, Costa do Marfim, Zaire (atual Republica Democrata do Congo) e Gana. Saiu da África e foi treinar a seleção da Arábia Saudita. Tudo isso até 1999, quando treinou o primeiro dos dois times egípcios que dirigiu, intercalados por período treinando um clube da Tunísia. Assumiu a seleção de Togo no começo do ano, se demitiu às vésperas da estréia na Copa e surpreendeu o mundo ao aparecer no banco de reservas togolês, com cara de malandro velho, camisa aberta e cordão de ouro à mostra.
Do outro lado, o holandês Dick Advocaat vestido sobriamente tem uma história, diga-se, mais careta. Aprendiz do gênio Rinus Michels (para os leigos, o treinador da seleção da Holanda de 74), foi semifinalista da Eurocopa de 1992, foi derrubado pela bomba de Branco na Copa de 1994. Deixou a seleção holandesa por oito anos, voltando após o fracasso da não-classificação para a Copa de 2002. Saiu em 2004, treinou um time alemão e teve uma passagem-relâmpago pela seleção dos Emirados Árabes Unidos. Chegou ao comando técnico coreano no meio das eliminatórias asiáticas.
O time de Advocaat transformou em vida real um videogame jogado por um menino rico e seu colega menos afortunado. O menino rico deixou seu amiguinho que nunca havia visto um videogame fazer o primeiro gol. Ainda sem conhecer direito o jogo, o menino rico vinha treinando cobranças de falta porque não tinha contra quem jogar e sempre apanhava do computador. Assim, pos Chong Sono Lee (o coreano galego) para bater a falta e empatou o jogo. No lance que originou a cobrança, o zagueiro Abalo (pronuncia-se abalo) foi expulso.
Jung Hwan Ahn fez o gol da vitória, chutando de fora da área e contando com o desvio do zagueiro togolês. Fora isso, a bola fazia de tudo para se defender dos pernas-de-pau: queimava os pés dos jogadores, os espetava e em alguns momentos parecia estar quadrada. Caneladas, pisadas literais na bola (o próprio Ahn protagonizou uma delas) Uma pelada entre os funcionários do estádio seria mais emocionante e agradável de assistir. Mas mesmo uma partida tão pouco bonita consegue mobilizar 45 mil pessoas para assisti-la (e vibrar com ela, inclusive), não sei quantos milhares trabalhando para transmiti-la ao mundo inteiro para que milhões de (des)ocupados espectadores a assistam. Coisas que só o futebol é capaz de fazer.
Post Scriptum: Existem coisas que só o futebol é capaz de fazer. E outras que só Zidane é capaz. Hora de ver uma das últimas partidas do maior craque francês de todos os tempos. Desculpe, Monsieur Michel Platini.
2 Comments:
Partida bizarra, monótona como previa um comercial mexicano que anunciava que as melhores partidas do mundial seriam em seu canal e mostrava a 3 coreanos com cara de merda vendo o jogo de sua seleção numa morgação sepulcral.
"numa morgação sepulcral" cacete...queria eu ter tanta habilidade adjetiva.
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